Marte encontra Vênus
(O significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis.
Vilém Flusser)
Apresentar o trabalho de Márcio H. Mota não é tarefa fácil. O artista lida com múltiplos procedimentos e interesses, manipulando a imagem ora tecnológica, ora culturalmente. Há um evidente fascínio fetichista unindo tecnologia e ilusionismo, cultura de massa e estética contemporânea. A obra, em seus procedimentos, reproduz o comportamento da luz e se expande em todas as direções.
Pode-se pensar nos espetáculos fantasmagóricos de Robertson, na música cromática futurística de Bruno Corra, nas instalações cinematográficas de Naimark e Bill Lundberg, na dramaturgia alucinógena de Tony Oursler ou nas marionetes de Zavén Paré. “A arte, para mim, liga-se com o labirinto do espírito. E o que eu faço é atravessar labirintos para oferecer outros”, diz Mota.
A matéria básica para erigir tais labirintos são os impulsos humanos primordiais. Seus símbolos giram em torno da cultura de massa americana. O método é a desconstrução ou reorganização dessas estruturas. A intenção é objetualizar a mágica.
Nessa evocação poética da luz, esses elementos, à primeira vista dispares, adquirem um aspecto algo espectral quando amalgamados em um suporte. A garrafa de Coca-Cola é iluminada por cenas do filme Rambo em seu interior, profanando o ícone pop com disparos de metralhadoras. Cenas do cinema de ação americano são reduzidas a uma linha horizontal de pixels expandida em uma tela cromática, numa edição pautada pela trilha sonora de gritos, tiros e explosões. A narrativa dramática do herói é mixada a de um filme pornô. Os gemidos de prazer confundem e transformam essa espécie de cinema abstrato em êxtase bélico. Imagens religiosas misturadas a rituais eróticos pulsam em feixes de luz no interior de uma garrafa com fumo de incenso. Choro, gemidos e latidos de cão evocam a fantasmagoria de nosso interior, lembrando que os sentimentos de massa inspirados pela guerra estão próximos àqueles despertados pela religião. O conservadorismo contestatório se revela no monólogo desconexo de um boneco de gesso. Uma coreografia de explosões como pequenas mortes. E uma bailarina silente e imaterial na fumaça desse labirinto. Memória, delírio ou ilusão.
Contidas numa garrafa ou projetadas em vapor d’água, essas imagens tornam-se a narrativa fragmentada de um sonho ou a materialização de um talismã.
Gisela Domschke