Zip'Up: Ganimedes: Zé Carlos Garcia

2 - 30 Abril 2016

O cenário dos acontecimentos é o Monte Ida, na atual Turquia, a sudeste da cidade de Tróia. Zeus se encanta com um príncipe, filho do rei da Dardânia, de nome Ganimedes e que trabalha nos rebanhos de seu pai. O rapaz é comumente representado nas artes visuais como portador de um corpo atlético, mas não exageradamente musculoso, aparentemente na virada entre a adolescência e a primeira fase adulta. 

 

Deslumbrado com a visão pastoril desse efebo, Zeus decide tomá-lo para si por meio de uma águia - há fontes que afirmarão que o próprio deus se transforma nela e outras dirão que ele invoca o animal. Tirado da esfera familiar da Dardânia, Ganimedes é levado para a companhia de Zeus e é o novo responsável por servir vinho aos deuses. Como agrado ao rapaz e benfazejo ao seu inconsolado pai, Zeus atribui ao jovem a imortalidade.       A narrativa greco-romana sobre Ganimedes pode ser interpretada como um exemplo do poder de arrebatamento de uma imagem em diversas esferas: estética, geracional, sensual e sexual.

 

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A presente exposição de Zé Carlos Garcia dialoga com este mito. É possível aproximar a pesquisa do artista, com uma trajetória de cerca de dez anos, à mutação entre o humano e o animal vivenciada por Zeus. As esculturas e objetos gerados por ele se encontram por diversas vezes entre o reconhecimento estrutural de móveis e anatomias animais, e o estranhamento proporcionado pela plasticidade dilacerada dos corpos estranhos que se instauram. De uma antiga cadeira de madeira saem penas de um pássaro e da trama de palha de outro móvel brota um pequeno inseto. Os fazeres artesanais e da zoologia se encontram e geram imagens que parecem em transformação perante os nossos olhos.

 

Para a ocupação da sala destinada ao projeto Zip'Up, o ponto de partida do trabalho foi o encontro entre o corpo humano e os limites arquitetônicos dados pelo espaço; trabalhar a partir de site specifics é algo que tem interessado cada vez mais ao artista. A imagem de uma estrutura tridimensional suspensa e composta pela variação cromática de penas pretas emergiu perante os nossos olhos. Uma vez a observar a confecção da peça, parecia difícil distanciá-la de um grande pássaro preto que, por fim, nos remeteu à história de Ganimedes.

 

Em vez de fugir das garras desse resquício de pássaro, desejamos que os espectadores se entreguem ao seu chamado e explorem seu movimento através de uma postura física ativa. Congelada no tempo pelas mãos de Zé Carlos, esta imagem pede uma lenta fruição de sua sensação de encarceramento, deixando incerto o seu movimento de pouso ou ascensão instaurado pela sua presença. 

 

Convidamos o público a, mais do que se colocar ficcionalmente no lugar do jovem raptado, subverter a fonte e recodificá-la a partir de suas visões particulares da soma entre desejo e posse. Tal atitude é dialógica ao gesto do artista de deslocar o material orgânico e criar uma narrativa que pede diferentes começos, meios e fins. 

 

Espera-se que o pássaro enviado ao Monte Ida pouse em São Paulo sendo um pouco de urubu, um pouco de pavão e outro tanto de corvo; que o fantasma da imortalidade de Ganimedes volte à sua terra-natal e que as imagens, sejam elas artísticas ou carnais, sigam a nos atiçar e nos jogar nesse lugar movediço entre a paixão e a violência.

 

Raphael Fonseca