Um caminho sem fim a vista?
As pinturas, desenhos e colagens de Pedro Varela costumavam ser uma espécie de encontro entre Julie Mehretu e Franz Ackermann, ou entre Corinne Wasmuht e Matthew Richie: arquiteturas sugeridas em meio a um caudal de referências da abstração geométrica e informal. Sua “fase branca” veio complicar um pouco as coisas, mas, apesar de as obras tirarem o foco da pesquisa de cor do artista, mantiveram a interpretação do assunto central como sendo uma arquitetura onírica, mistura de referências concretas com cidades imaginárias. A presente exposição de Varela na Zipper Galeria termina de complicar as coisas, porque a temática urbana perdeu espaço para paisagens e naturezas-mortas e as cores voltaram, com predomínio do azul. E aqui é que tudo fica de fato interessante.
Ao abandonar a moeda corrente da arquitetura inventada e da fragmentação do mundo atual, Varela se distancia de um vocabulário tido como “contemporâneo” e se aproxima de uma voz mais autoral, ou pelo menos mais particular. Não se pode falar de uma noção forte de autoria porque o que o artista busca, ao longo de toda a sua produção e sobretudo nestes novos trabalhos, é uma mistura irreconhecível de gêneros e motivos onipresentes na história da arte e da cultura ocidental. O que há de particular, de próprio, nas obras desta exposição é a mestiçagem do imaginário dos artistas viajantes dos séculos 17 a 19 sobre o Brasil e a afirmação tropicalista de uma identidade antropofágica para o país.
O clima neobarroco das obras, que oscilam entre o extremamente ornamental e o extremamente sintético, junto da paleta antagônica, que mistura momentos lisérgicos com azuis aguados e meditativos, resulta em pinturas fora do tempo. Além disso, a escolha pelo artista dos motivos representados é menos reconhecivelmente contemporânea, o que reforça seu aspecto imemorial. “A ideia de Ainda Viva é simples. É uma exposição que apresenta praticamente naturezas-mortas e paisagens, duas categorias secundárias criadas pela academia de arte e que foram completamente abandonadas pela modernidade. Nesta exposição eu quis deixar clara a minha vontade de trabalhar com coisas esquecidas, métodos abandonados”, conta Varela.
Uma indiferenciação entre paisagem e décor, em que estes dois universos antagônicos se mostram intercambiáveis, revela uma maturação do que antes era resolvido por meio da convivência entre pintura e colagem: as instalações que se espraiavam pelo espaço, em que um desenho emoldurado transbordava para fora, continuando na superfície da parede até se conectar com outro e assim por diante, encontram aqui uma potente síntese. Ainda Viva faz referência à tradição das vanitas e da documentação botânica, mas acima de tudo se refere à pintura e à possibilidade de encontrar brechas ainda não preenchidas neste discurso tão anacrônico quanto atemporal.
Juliana Monachesi