Encyclopaedia Privata: Camille Kachani

20 Outubro - 19 Novembro 2016

Morteiros, granadas, livros e xícaras de chá convivem em mobílias domésticas em uma harmonia estranhamente habitual nas novas obras de Camille Kachani. Em sua próxima individual na Zipper Galeria, a partir de 20 de outubro, o artista reflete sobre a formação da identidade no confronto entre as esferas pública e privada na trajetória de cada indivíduo. Com curadoria de Sabrina Moura, a exposição reúne séries inéditas de esculturas, fotografias e desenhos do artista e fica em cartaz até 19 de novembro.

 

Os trabalhos se relacionam com a sequência de deslocamentos e migrações vivida pelo artista. Camille Kachani nasceu em Beirute, Líbano, em 1963. Seus pais, judeus sírios, haviam se refugiado no Líbano na década de 1950. Nos anos 1970, a família migrou para o Brasil em razão da guerra civil libanesa que se iniciava, radicando-se em São Paulo. Nas esculturas exibidas na exposição, os elementos se acumulam uns sobre os outros, criam raízes e se transformam em terreno fértil para o crescimento de estruturas orgânicas, em que tudo se conecta e se ramifica. "São elementos de dentro e de fora: minhas obsessões, ideias e lembranças recorrentes, coisas que vêm formando minha identidade ao longo do tempo. Não acredito em identidade herdada, parada no tempo e no espaço", o artista analisa.

 

Isoladamente, as peças reproduzem fielmente sua referência original. Juntas, porém, refletem sobre as forças resultantes das dimensões privadas e públicas na constituição da identidade. "Em meio a dualidades que não se excluem nem se opõem, o artista nos coloca face à uma série de conexões improváveis. Talvez essa seja uma maneira de lembrar que nossa própria narrativa também carrega filiações identitárias com as quais nos relacionamos, mas sequer sabíamos recusar", escreve a curadora da mostra.

 

Parte de uma pesquisa recente, Kachani exibe nova série fotográfica nas quais galhos, folhas e cipós evocam situações que traduzem o confronto da natureza com a condição humana. Estruturas orgânicas brotam da cabeça do artista e remetem ao islamismo, cristianismo e judaísmo - as três religiões monoteístas que atravessam a trajetória do artista. O diálogo entre as imagens reflete sobre temas como a formação e a imbricação de simbologias fundamentais na formação do indivíduo. O artista, ao invés de assumir filiação a doutrinas fixas, decide expor sua multiplicidade de referências, em prol de uma identidade nômade e errática.

 

Sobre a curadora

Sabrina Moura de Araújo é curadora, pesquisadora e docente. Atua nas áreas de artes visuais, gestão cultural e relações internacionais. Doutoranda em História pela Unicamp. Em 2010, recebeu o primeiro prêmio do Certamén de Comisariado PhotoEspaña/Transatlántica pela curadoria da exposição Instantes Extemporáneos: Pasajes abiertos en dirección al movimiento. Em 2011, realizou aperfeiçoamento em Museologia na École du Louvre, seguida de um estágio profissional no International Program Department do Museum of Modern Art (MoMA) em Nova Iorque. Em 2014, organizou os workshops do 2o. Fórum Mundial das Bienais, em São Paulo. Editou o livro Panoramas do Sul, Perspectivas para outras geografias do pensamento (Edições SESC, 2015).