"Ao invés de nos fazer lembrar o passado como os antigos monumentos, os novos monumentos parecem nos fazer esquecer o futuro [...] Eles estão envolvidos em uma redução sistemática do tempo para frações de segundo, ao invés de representar os longos espaços de séculos. Tanto o passado como o futuro são localizados em um presente objetivo." (Robert Smithson, "Entropia e os Novos Monumentos", 1966)
Um bloco de concreto repousa verticalmente sobre um aparelho de TV enquanto um gráfico criado por um processo digital é transmitido no monitor. A imagem ora divide a tela em diferentes variações de azul, ora entre distintas tonalidades de cinza. A forma do bloco também está presente e é vista na TV tal como uma sombra que varia de acordo com a posição do sol - em dados momentos perpendicular, em outros em um espaço duplicado sobre si mesmo.
Quando o azul em tons vibrantes se enche sobre a tela, é difícil não associar aquela imagem com uma paisagem familiar da arquitetura brasileira - o eixo monumental de Brasília sob o céu de horizonte imenso. Uma monumentalidade invertida, neste caso - e não apenas pelo bloco que parece ter sido colocado sobre o céu. A inversão se dá, especialmente, pela dificuldade de vislumbrar um aspecto perdurável naquela imagem, ideia básica do monumento, ou de uma arquitetura que assim se apresenta. Sua base, ao contrário da solidez do concreto, carrega o risco da obsolescência inerente a qualquer aparato tecnológico. E o futuro, como na definição de Smithson, parece existir apenas nos breves segundos de duração do gráfico exibido em loop, como em um eterno e objetivo presente.
A tensão produzida na ambivalência entre a materialidade do concreto e a imaterialidade das imagens digitais, que aparecem na obra Transição (2017), é um dos aspectos centrais nesta exposição de Felipe Seixas. Se em trabalhos anteriores os blocos moldados pelo artista apareciam em combinações como carvão e pigmento, explorando a relação entre forma e não-forma desses objetos, sua produção recente introduz uma discussão altamente contemporânea sobre o aspecto imaterial das novas tecnologias, que já nascem sob um risco imanente de se tornarem obsoletas em um futuro mais do que próximo.
Tal questão aparece ainda em Queda (2017), outro trabalho que utiliza objetos feitos de concreto em diálogo com os gráficos digitais. Desta vez, quatro blocos são deixados horizontalmente e servem de suporte para um monitor colocado sobre as peças em um ângulo de 45 graus. Na imagem, uma forma idêntica a dos objetos em cores variadas é exibida na tela em um gráfico criado com o número de pixels referentes à resolução de uma TV Full HD. Temas como a fragilidade de memórias tecnológicas e sua desmaterialização estão presentes também em Ascendência (2017), obra feita com um celular colocado atrás de um saco plástico com água. Visto apenas de um ponto de vista lateral, o aparelho é o suporte invisível para outro gráfico que exibe o movimento constante de linhas coloridas, provocando uma distorção ótica causada pela refração do líquido.
Embora a tecnologia tenha ganhado um papel importante nesta exposição, levantando uma possível associação com o campo da arte digital, a produção de Felipe nasce de outras referências. As esculturas minimalistas seriam inicialmente a associação mais imediata, especialmente pelo uso de materiais da indústria pesada, como o concreto, talvez a base principal de suas obras até o momento. O embate formal, que aparece na escolha por materiais com um aspecto amórfico, como o saco plástico com água ou farinha de amora, encontra precedentes também em movimentos como o Anti-forma, difundido nos anos 1960 por nomes como Robert Morris, ou o próprio conceito de informe (formless) reintroduzido no campo da arte nos anos 1990, do qual Smithson é um dos representantes.
Mas talvez seja novamente pela ideia do imaterial que se dê o ponto de contato entre essas influências. Se a transformação do mundo em imagens - e sua própria imaterialidade - foi uma das grandes questões levantadas no debate a respeito dos ambientes imersivos e ilusionistas do pós-minimalismo, nos últimos anos o imaterial se tornou um tema central nas discussões sobre novas mídias. A chamada "estética dos banco de dados", em que a configuração das interfaces onde são armazenadas as informações se tornou alvo de investigações artísticas, revelam como tais estruturas ganham uma importância em si, independentes de seus referentes físicos. Por outro lado, Felipe não deixa de reforçar o interesse pela materialidade de suportes como o concreto, cuja presença não poderia ser mais física e palpável.
É por esse vocabulário que sua obra desenvolve. Tal como em uma obsolescência desprogramada, contrariando o termo sobre a curta durabilidade dos meios tecnológicos, ele interfere em seus mecanismos para revelar novas possibilidades de processos e temporalidades. Matéricos ou imatéricos, os objetos do artista parecem trazer de volta um interesse por um presente concreto, distanciando-se da obsessão arquivista pelo passado ou por um futuro distópico.
Nathalia Lavigne