Como vemos a nós mesmos e aos outros seres no mundo? As proposições de Romain Dumesnil constroem, habitam e pensam as práticas artísticas e o espaço expositivo como um vivo operante, lugar praticado. Aqui, o artista é um operador de passagens nas fronteiras da domesticação.
Nas manobras de transposição do ‘fora’ – lugar de estar dos objetos vivos – em direção ao ‘dentro’ – espaço confinado da galeria – confrontam-se supostos opostos. Ao questionar as dicotomias modernistas – natureza / cultura; animalidade / humanidade – a perspectiva direciona-se para uma unidade híbrida, configurada através da diversidade de todas as coisas que estão interconectadas. Aí, pontos de vista são invertidos.
No encontro com a passividade desnudada do animal ou com processos químicos ativos na exposição, estamos sendo observados enquanto observamos. Ao olhar o olhar do outro é ele quem se dirige a nós. Estamos (todos) vivos vistos; em frente de um animal nu diante de um outro animal-homem vestido, envelopado, com roupa. Com a nudez do não-humano, somos nós que estamos expostos, na exposição. É possível que se sinta uma espécie de animal-estar em estar com o animal.
O que nos aflige seria algum pudor contra a indecência das coisas que domesticamos enquanto estamos também domesticados? Quem é o animal?
O cubo branco da galeria reforça a instituição de outra dicotomia ‘fora/dentro’: isola, limita, restringe, enclausura, com seu cercamento de paredes, teto, chão que confina, aqui, animais. Cubo branco, gaiola. As operações propostas por Romain Dumesnil de deslocamento de um suposto ‘fora’ para outro suposto ‘dentro’ dão sequência aos processos de domesticação, do outro e de si mesmo, entre sujeição e submissão – das práticas artísticas, inclusive.
Derrida (1997) evoca a limitrofia para designar não apenas o que nasce e cresce no limite, ao redor do limite, mantendo-se pelo limite, mas do que alimenta o limite, gera-o, cria-o e o complica. Mas, se ao invés de perguntar se existe ou não um limite descontínuo, poderíamos conduzir nosso pensamento para o que se torna um limite quando a fronteira não forma mais uma só linha indivisível. A exposição-laboratório é um exercício artístico nessa direção.
Sobre essa terra, sob esse céu – onde reside o entre galeria – estamos contaminados; em pluralidades que não se deixam reunir em uma figura única de animalidade oposta à humanidade, de natural oposto ao artificial, de domesticação oposta ao selvagem. Um híbrido emerge, também, através da potência da arte que amplia os limites que crescem e se multiplicam ao nutrir-se de fronteiras. Esses limites, desconhecidos, não são onde as coisas terminam, mas onde outras coisas se iniciam; para um porvir, híbrido e plural. A seguir.
Michelle Sommer
*O título da exposição é uma alusão poética ao texto ‘L’Animal que donc je suis (à suivre)’, de Jacques Derrida, de 1997. Ver: DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou (a seguir). São Paulo: Editora UNESP, 2002.