O exercício da arte é, para Sheila Oliveira, um profícuo caminho para o autoconhecimento. Após trabalhar por anos sobre questões ligadas à transcendência e à memória afetiva, seu trabalho ganhou novas proposições nos últimos tempos, exibidos agora pela primeira vez em conjunto nesta exposição.
de onde emergem os nervos investiga o corpo humano, seu locus no universo, seu caráter num só tempo escultórico, dinâmico e volátil. Tal desdobramento na obra de Sheila se deu após seu interesse pelos conceitos da Eutonia - prática corporal que consiste no uso da atenção às sensações promovendo a ampliação da percepção e da consciência corporal.
A visão, o movimento, o toque, o esqueleto e a pele pulsam os ritmos internos do ser e o colocam em sintonia com o universo, como uma microestrutura compactada do cosmos. Na investigação sobre os desígnios desse corpo operante, a artista ecoou o pensamento de Merleau-Ponty, a partir do texto O olho e o espírito: “É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura. Para compreender essas transubstanciações, é preciso reencontrar o corpo operante e atual, aquele que não é uma porção do espaço, um feixe de funções, que é um trançado de visão e de movimento.”*
Essa consciência do corpo como um entreposto de sensações próprias que findam por gerar aspectos identitários – somos o corpo que temos na mesma medida em que o transformamos a partir da consciência que temos dele – levou a artista a fazer uma instigante analogia entre o corpo humano e a câmera fotográfica. Como ela própria relata, “Experimento o que é ter meu corpo como câmara escura, num monólogo sobre o olhar de dentro, estendendo meus sentidos e apresentando a fotografia como suporte de linguagem e a linguagem do meu corpo como suporte de imagem, num sentido bruto, sem ativismos e na inocência da arte”.
Os mistérios que o corpo segreda, essas sensações de onde emergem os nervos, que só a consciência ampliada dele próprio pode desvelar, ganham nas novas investigações delicadas e inspiradoras de Sheila Oliveira um corpo correlato na materialidade possível da fotografia.
Eder Chiodetto
*O olho e o espírito, Cosac Naify, 2004, pg 16.