Mora-se no universo; mora-se na Terra; mora-se na casa; mora-se no corpo. Estamos sempre morando – gerúndio incessante – dentro. Sobre a terra, sob o céu – diante do divino e entre os mortais – há uma grande ‘guardação’ que guarda uma gradação de contidos. No entanto, na estrutura que conforma o cosmos reside uma estranha disjunção estrutural.
Chão em chamas conecta contidos em um arco temporal aberto entre passado e futuro que são reordenados em um estado distópico por João Castilho. Na fronteira do que já não é o antes e nem tampouco, ainda, o depois; o artista estanca o presente como um momento absolutamente necessário para o momento seguinte. Talvez porque o fim não seja um evento futuro, mas algo já realizado e o retorno do homem à animalidade não seja uma possibilidade porvir, mas uma certeza do agora.
Nessa zona de neblina, a emergência do surreal deriva de fabulações que parecem ter cheiro de sol tostado que acorda as coisas e dá vida às formas em experimentações narrativas. Algo está entre o estranho e o familiar, que consegue ser visto como próximo e ao mesmo tempo distante, desconhecido e inquietante, que fascina pelo sentido misterioso característico daquilo que não pertence ao reconhecimento imediato do identificável ‘o que é’. Na ausência de contorno do presente estancado está uma aparente calma que, lentamente, a tudo perturba. Talvez seja esse o último dia da Terra e estamos entre a catástrofe e a redenção.
O céu ardente de Dois Sóis (2017) são nascentes ou poentes? Se o aclive pode ser início, o ocaso é declive rumo ao fim de algo que chega ao seu limite, incluso o momento em que o sol atravessa a linha do horizonte e desaparece. Uma galinha de tênis, a roleta russa do cão, um jacaré toca a campainha: Revanche Animal (2017) é vicissitude da memória em registros coletados da internet que são transformados em imagens cianotípicas – a luz do sol – ou de dois sóis - também pode ser força de impressão. Nessa paisagem azul, uma composição de fragmentos ruma para um devir humano animal, embaralhada por desejos de reparação frente a uma humanidade derrotada.
Enquanto um homem canta um canto do animal pássaro – Birdman (2017); o pássaro João de Barro é evocado com sua unidade mínima de habitar – ninho - que, empilhada em Torres (2017), comporta-se como um edifício modernista em desequilíbrio, onde corpos vizinhos compartem separações.
Passos Fósseis (2017) apreende em fotografias rastros de pegadas de dinossauros encontrados na Paraíba (escala temporal de 100 milhões de anos) e, assim, o passado é impresso e eternizado simultaneamente ao tempo presente em que os animais da nossa era são fossilizados em bronze para configurar Marca Infinita (2017). Da prisão do tempo à prisão do vento - que é movimento – três Pequenos Furacões (2017) sustentam-se em um estático equilíbrio flutuante. Como um bálsamo entre o jogo de opostos, Rio (2017) contém montanhas fractais douradas que guardam rastros de águas passadas que navegaram para outras margens mais além, entre as tantas viagens que um rio tem.
Chão em chamas é campo magnético de contrários, atesta presenças no presente ausente, apresenta o dissenso do estado que estamos. Na Terra que arde - e por vezes queima – na agitação incômoda com certa graça melancólica e um meio-sorriso de pessimismo alegre, o tempo apocalíptico de João Castilho é ficção pluralista que guarda poesias sem fim. Antes do depois.
Michelle Sommer