Você chegou ao seu destino: Felipe Cama

11 Novembro 2017 - 12 Janeiro 2018

"Não é o destino que conta mas o caminho", escreveu Mia Couto em Terra Sonâmbula. Mas na terra em que vivem os habitantes do Google Maps, essa equação não vale. Chegar antes é o que importa. É preciso encurtar rotas, economizar tempo, cumprir rituais de eficiência. Não há mais espaço para a deriva. Todos os roteiros devem estar previstos no Waze, independentemente do fato de conhecermos, ou não, o trajeto que será percorrido. O número de informações sobre nossos percursos, nossos horários e nossos hábitos, que ficará registrado nos bancos de dados dessas empresas, não pesa na consciência de ninguém. Basta ignorar e chegar ao seu destino. Da forma mais rápida. Se possível, sem ver, nem pensar em nada. 

 

Teleguiadas, multidões de motoristas obedecem aos itinerários programados. Qualquer erro no sistema pode levar a uma pane colossal no trânsito. Mas o fato é que não se duvida da razão do GPS. Vozes metálicas, monocórdicas, esvaziam o deslocamento pela paisagem urbana de qualquer emoção. Vire à direita. Dirija 400 metros na direção Noroeste. Curva suave à esquerda. Todas as cidades parecem ser uma só... Como se habitássemos o delírio de um personagem de Sobre o Rigor na Ciência, de Jorge Luis Borges. Neste conto, conhecemos um Império que se esmerou a tal ponto na arte da cartografia que chegou a um mapa que tinha o tamanho do próprio Império. Coincidia com ele ponto por ponto, em uma escala de 1 para 1. Era, no entanto, inútil. Ao abolir a representação, abolia também a imaginação. 

 

É dessa demanda por um mapa de caminhos imaginados que Felipe Cama fala na exposição Você chegou ao seu destino. O título, retirado da mensagem final dos serviços de mapas para celular, é um contraponto irônico à série de pinturas que ele apresenta. Conjunto de nove mapas que registram seus percursos, são diários dos quais todos os dados foram abolidos. Ficaram apenas algumas poucas informações visuais: as formas, descritas pelos contornos dos itinerários, e as cores que ele adiciona, de acordo com critérios pessoais. 

 

O resultado são mapas de lugar nenhum, um "Google Unmapped". Como se transitássemos, do rastro ao traço, do sulco à sutura, da figuração à abstração. Não por acaso cada um dos mapas é nomeado com a data de sua produção. O tempo aqui se sobrepõe ao percurso. Extratos de uma série iniciada em 2011, são quase-frames de um dia a dia colocado em câmera lenta, contrariando a lógica de um mundo de aceleração permanente. Neles estão espacializados elementos que fogem do Big Data, das grandes massas de padrões. 

 

Valem aí, nos mapas de Felipe Cama, as aberrações imperceptíveis e os desvios que desestabilizam o universo dos roteiros programados. Rompe-se a organização figurativa original das linhas, permitindo outras constelações simbólicas. Subverte-se o mapa como instrumento de localização e agente de "mineração" de comportamentos, suspendendo a coleta de dados sobre para onde vamos e quando. Sem decalcar um mundo pré-existente, o mapa ganha espessura e volume. Sai da tela e avança sobre a vida. Com todo seu acervo de variáveis indefiníveis e instáveis.

 

Giselle Beiguelman