Um conjunto de pinturas e pequenas esculturas de Maíra Senise surgem, umas das outras, como parte de um imaginário que mistura fábulas desconcertantes ao cotidiano de ornamentos femininos, dos esmaltes de unhas à purpurina.
Sim, são bichinhos entre vasos e a paleta de cores oscila entre tons pastéis, mas a pintura da artista desfigura a passividade de um universo apenas aparentemente infantil ao construir desvios de formas a entrelaçar o humano e o animal.
Picasso disse que levou a vida inteira para pintar como uma criança porque o que parece destituído de sentido no rabisco da infância é o início da forma. Na geometria da maça de Cézanne vemos o princípio das coisas, de todas as coisas, o esquema em linhas, não como uma redução do mundo, mas uma expansão da origem como expressão. Mas a abstração seguiria também o caminho informal da desfiguração do mundo.
Uma paisagem familiar com uma casa e um jardim guarda personagens estranhos, como se fossem criaturas não pacíficas que emergem a desfigurar o que parecia inocente. Uma menina em rosa segura uma cabeça, uma boneca estendida e disforme, animais fora de escala assombram o que poderia compor um mundo ordenado e idílico. Ao contrário, presenciamos o desordenado, vemos o que está a se formar em um fundo ainda sem tinta, cru. E assim, o que se apresenta é a ida para a abstração, mas esta não se detém em escapar da figura e insiste em uma outra construção em que o que se vê não pode ser reconhecido ou identificado porque permanece no mundo inorgânico e inimaginado concebido pela artista.
As pequenas esculturas são como animais caídos das telas, perturbados pelo novo mundo, deformados pelas beiras em insensatos movimentos. Em pequena escala acrescentam brilho às cenas que se desenvolvem nas pinturas. Caminham, assim, no mesmo sentido poético e estético, pinturas e esculturas de Maíra, o devir animal espalhado por paisagens errôneas entre vasos de tintas derramadas.
Animais desorientados por raios nos assistem do outro lado perturbador das imagens de Maíra a nos acolher na alegria de cores iluminadas e, ao mesmo tempo, nos assustar como as Gárgulas suspensas em castelos ou igrejas a cuspirem as águas das chuvas no arco-íris ou no sol do meio-dia.
Katia Maciel