A licença poética opera um hiato, um curto-circuito - um agente provocador-na atrofia de uma situação que se encontra em estado de crise ou letargia política, social, confessional, étnica, econômica ou militar. Através da natureza absurda e por vezes impertinente do ato poético, a arte provoca um momento de suspensão do significado, uma sensação de insensatez que pode revelar o absurdo da situação. Através desse ato de transgressão, o ato poético sinaliza uma passo atrás ante as circunstâncias. Em resumo, pode fazer com que vejamos as coisas de maneira diferente.
Francis Alys
Um iceberg é uma montanha de gelo que, após se desprender de uma geleira, vagueia pelos oceanos e mares até desaparecer. Ilhas, por vezes continentes à deriva, os icebergs são fascinantes, frágeis e poderosos; belos e assustadores. Efêmeros, materializam elegantemente a natureza em processo.
São inúmeros os pensamentos que a figura do iceberg dispara em mim, mas o que mais desperta a minha curiosidade e imaginação é o fato de que a maior parte de um iceberg fica oculta, latente, intuída, a priori invisível aos nossos olhos. Esta característica me levou a pensar uma série de alegorias – como, por exemplo, a de que o inconsciente seria a parte invisível de um iceberg chamado consciência. Sabemos que os sentidos aferem um recorte limitado de informações sobre o ambiente. Necessariamente, o campo do que conhecemos será sempre menor do que o campo que seria possível conhecer. Assim, aguçar o faro à procura do lado oculto de coisas e fenômenos seria uma estratégia substancial para a nossa sobrevivência e expansão.
É com base em pressupostos como o mencionado anteriormente que nesta nova série de trabalhos me disponho a refletir serendipticamente sobre o tempo histórico em que vivemos, época pautada pelo embate crítico do homem com a tecnologia. O processo de pesquisa orgânico, intuitivo e antropofágico fez com que se estabelecessem diálogos com minha produção anterior. É possível reconhecer ideias, conceitos, citações e reconfigurações de obras das séries in between, Mindscapes e Reconhecimento de Padrões.
A narrativa não-linear proposta pelo conjunto de obras sugere um iceberg que contrapõe a “inteligência natural” desenvolvida pelo Sapiens durante milênios à inteligência artificial sintética, exponencial e singular dos computadores atuais.
coda:
Os seres humanos somos basicamente água, e, como icebergs, nos desprendemos da nossa matriz para esquivar os atritos da vida até o nosso corpo sucumbir.
Nunca vi um iceberg, embora seja um.
Fernando Velázquez