Texto Curatorial — Taisa Palhares
Deslocamentos Orbitais
Na exposição atual na Galeria Zipper, a artista Ana Holck apresenta quatro séries inéditas de esculturas, intituladas “Suspensos”, “Expansíveis”, “Axiomas” e “Laçados”, que são realizadas em fita de mola em aço inox e cerâmica. Em continuidade às pesquisas apresentadas na exposição “Entroncados, enroscados e estirados” (Paço Imperial, RJ, 2023), a artista explora a tridimensionalidade da linha no espaço e sua força expansiva partindo do desenho que age como uma espécie de fio condutor de seus trabalhos desde os anos 2000.
Arquiteta de formação, Holck sempre teve atração pelas estruturas urbanas e pelos canteiros de obra, dos quais retirava as formas que eram transformadas em esculturas e instalações a partir de exercícios de rearticulação. Utilizando elementos pré-fabricados ou pré-moldados, muitas vezes em concreto, seus trabalhos subvertiam o caráter utilitário dessas formas simples e seriais e ocupavam o espaço de uma maneira inusitada. Estruturas de pontes, calçamentos e torres se transformavam em novos objetos que simulavam construções improváveis feitas de materiais industriais.
Por meio da ação de deslocamento, a artista criava esculturas que instauravam novos desenhos no espaço. O trânsito entre o espaço urbano e o espaço da arte abria a possibilidade de uma nova percepção de tais elementos, sobretudo uma certa leveza dessas estruturas brutas, que normalmente passam despercebidas na vivência da cidade. Ao mesmo tempo, a evidência de formas autônomas desconectadas de sua finalidade original apontava para uma experiência de destruição permanente que é comum a quem habita as grandes cidades: a existência de paisagens feitas de carcaças de construções abandonadas. Estruturas vazadas cujas ruínas se assemelham a esqueletos urbanos em exposição. Neste sentido, há em seus trabalhos uma combinação de rudeza e beleza que instiga o observador.
Nas esculturas atuais, a artista utiliza elementos mais leves e de tratamento acessível à manipulação direta, como tubos de cerâmica que ela mesma produz no ateliê e que têm a função de nós que estruturam as linhas de aço no espaço. Se por um lado, ainda prevalece a aparência de assepsia dos materiais pré-fabricados e sua correspondente racionalidade serial, por outro lado, tais qualidades visuais são minimizadas pela alusão à gestualidade solta das formas circulares em expansão. As linhas flutuando no espaço na forma de arcos metálicos (e que ora são regulares, ora sugerem um desenvolvimento mais caótico) resultam de um ponto de equilíbrio invisível entre a força da mola e a atividade de retenção dos tubos de cerâmica, como se estivéssemos diante de uma dança sutil entre dois movimentos opostos.
Os trabalhos recentes de Ana Holck explicitam e reinventam sua relação com a tradição da escultura construtiva, atualizando o pensamento sobre a fita de Moebius e sua circularidade contínua, bem como os desdobramentos que a mesma encontrou na arte brasileira com a invenção da linha orgânica neoconcreta e sua respectiva reversibilidade entre exterior e interior da espacialidade escultórica. Entretanto, ao se utilizar de materiais rígidos, retesados por um gesto anônimo e direto, esses trabalhos também apontam para a dúvida diante da crença moderna na maleabilidade dócil e fluida da natureza e do mundo, marcando o ponto de inflexão no qual, como sociedade, nos encontramos hoje.