Tramas em equilíbrio suspenso: as Ciclotramas de Janaina Mello Landini
Em sua recente exposição na Zipper Galeria, a artista Janaina Mello Landini apresenta novas obras da série Ciclotrama, realizando pela primeira vez em São Paulo uma grande escultura ambiental especialmente concebida para sala principal da galeria. Como nos trabalhos anteriores, sua pesquisa se dá na intersecção entre diversos saberes e ciências, como arquitetura, geometria, anatomia, física, cartografia, escultura e desenho, criando com base em um raciocínio aparentemente simples estruturas rizomáticas que se imbricam e expandem por meio da ligação e cruzamento de linhas e pontos segundo uma distribuição dinâmica de forças.
Seu trabalho questiona as possibilidades de representação para além de um único ponto de vista, sobrepondo ao caráter ortogonal da tela e da arquitetura novas coordenadas espaciais que resultam em desenhos de formas orgânicas, de aparência fluida e maleável. Com isso, a artista produz uma "torção conceitual" do uso da geometria quando a trama, figura principal de seu trabalho, é realizada de maneira bastante calculada a partir de um conhecimento científico estabelecido de projeção e representação tridimensionais, mas visando um resultado pouco ortodoxo.
Para Ciclotrama 141 (épura), Janaina Mello Landini fabricou, pela primeira vez, sua própria corda, entrelaçando 1.440 fios de barbante comum. Com isso, ela conseguiu atingir um peso inédito de 120 kg, que deve ser distribuído a partir de um procedimento reiterado de divisão e bifurcação binária, em que por fim a corda será quase desfeita em subdivisões, gerando um total de 2.880 pontas que são fixadas na parede, e são responsáveis por dar sustentação à massa. Esses pontos, basicamente presos com fita crepe, dividem o volume de maneira proporcional, criando uma estrutura cuja estabilidade depende do cálculo exato de compensação de forças.
O resultado é um desenho espacial extremamente delicado, no qual a simplicidade (e por que não dizer precariedade) do material produz uma escultura de enorme potência visual. De alguma maneira, é como se a artista projetasse no aqui e agora as infinitas possibilidades de cruzamento existentes no espaço virtual, corporificando-as e nos convidando a deles participar. No entanto, se as leis da física e da geometria são capazes de dar segurança e estabilidade ao trabalho, Ciclotrama 141 (épura) parece apontar, em seu movimento de equivalências, para o aspecto instável, impermanente ou em constante transformação e reorganização das coisas no mundo. Por isso, essa trama que se expande por toda a galeria assemelha-se a um organismo vivo, como se o espectador, a cada nova visita, fosse capaz de contemplar um outro desenho, uma nova estrutura.
Nas quatro telas que fazem parte da presente mostra (intituladas Ciclotrama 137, Ciclotrama 138, Ciclotrama 139, Ciclotrama 140) e estão expostas numa sala menor, a artista retoma o uso de cordas industriais, que destramadas são fixadas segundo o mesmo sistema de divisão, bifurcação e cruzamento das linhas. No entanto, aqui Janaina Mello Landini optou por utilizar como plano para superfície um tecido especial utilizado na fabricação de velas para embarcações náuticas. Nele, são bordadas coordenadas geográficas inspiradas em mapas antigos e atuais, antes que a artista instale as tramas em fio colorido. Novamente, o espaço real e o virtual se imbricam, criando um novo desenho, pois ao mesmo tempo que o bordado remete ao existente, a trama nos fala de um espaço imaginário que também pode ser real.
A sala das Ciclotramas está disposta de modo que as cordas em tons de azul e preto encontrem-se aglomeradas no centro, conectando todos os trabalhos. Esse amontoado sugere a existência de um núcleo de energia comum, ainda caótico, que tende à propagação, e que será organizado nas tramas sobrepostas de linhas na superfície das telas. Poeticamente, mostra-se a relação indissociável entre a parte e o todo, e a convivência de interdependência e autonomia mediante uma sutil correspondência de forças.
É interessante notar que também essas telas sugerem uma abertura à reorganização. Do ponto de vista teórico, a geografia trabalha com limites relativamente estáveis, ou que demoram muito tempo para serem redesenhados. Mas no mundo contemporâneo as relações e fluxos respondem a uma dinâmica especial, acelerada pela tecnologia. Podemos imaginar novos mapas geográficos criados cotidianamente pelo reinstauração de conexões diversas, para além das limitações do espaço físico. É evidente que essa liberdade de movimento nem sempre é bem acolhida por todos.
Contudo, a vontade de expansão, como a artista parece lembrar, faz parte da história da humanidade, sobretudo desde a Era Moderna. O desejo de mobilidade redesenhou o mapa geográfico e nos deu uma nova apreensão da terra com as Grandes Navegações, um fator decisivo para a formação de nossa visão de mundo. Hoje presenciamos um outro tipo de expansão, talvez menos real, e mais virtual. Mas que tem o mesmo poder de redesenhar nosso imaginário. De qualquer maneira, a forma plástica dos organismos vivos, que parece inspirar a artista, está presente tanto na natureza quanto na sociedade. Entender os contínuos rearranjos de nosso meio social e natural é um desafio mais do que atual. E também ter em mente a fragilidade de seu sistema de compensações recíprocas, que pode ser colocado em xeque por meio de qualquer movimento mais brusco, gerando um desequilíbrio irremediável.
Taisa Palhares