“Parece um sonho”. Esta é uma reação comum diante das fotografias de Flávia Junqueira, e não à toa: as imagens encenadas pela artista têm a intenção de produzir um universo próprio e de transportar o pensamento de quem as testemunham para outros lugares, sejam fantasiosos, fictícios ou encantados. Agora, a artista aprofunda ainda mais esta investigação pelos espaços do encantamento em sua quarta individual na Zipper Galeria, “Igrejas Barrocas e Cavalinhos de Pau”, aberta no dia 02 de outubro.
O título da exposição é emprestado de um ensaio do antropólogo Roger Bastide, publicado pela primeira vez em 1944. No texto, ele descreve parte de sua pesquisa sobre o barroco brasileiro, especificamente uma viagem pelo Nordeste durante a qual dedicou-se a observar os detalhes da decoração barroca. O autor relata que, na medida em que se aprofundava no estudo dos ornamentos, era acometido pela sensação de reconhecimento dessas formas. Esta estranha sensação é explicada pela rememoração da infância do antropólogo e, notadamente, de suas visitas a feiras de variedades e parques de diversão na França, onde uma experiência de encantamento, repleta de volutas e toda sorte de ornamentos, tinha lugar no carrossel.
O antropólogo traçou uma linha que liga igrejas, carrosséis e teatros barrocos, a partir da perspectiva da produção do devaneio. Ele identificou padrões de ornamentos, adornos e formas cujas funções simbólicas se uniam e marcavam presença em um grande número de objetos e monumentos, das igrejas aos cavalinhos de carrossel. A inspiração levou Flávia Junqueira a seguir um caminho análogo. Ela, então, apropriou-se de espaços como igrejas, teatros e cinemas históricos de Recife, monumentos da família real no Rio de Janeiro, um antigo convento franciscano no coração da capital paulista, sempre com o intuito de deslocar o pensamento a lugares imaginários.
“A poética da artista alimenta-se do mesmo encantamento que, na primeira metade do século passado, arrebatou o filósofo francês. Nessa exposição, a artista reúne um conjunto de obras que desdobram e aprofundam suas pesquisas em torno das relações entre encantamento, infância e ornamento. Balões, bolhas de sabão e cavalos de pau povoam arquiteturas ostensivamente ornamentadas em imagens que constroem uma noção ampliada de infância, como recusa da racionalidade instrumental moderna e da controversa ideia de progresso”, escreve Icaro Ferraz Vidal Junior, que assina o texto crítico da mostra.
A exposição “Igrejas Barrocas e Cavalinhos de Pau” fica em cartaz até 30 de outubro.
Sobre a artista
Flavia Junqueira (São Paulo, 1985) lida principalmente com fotografia. O universo visual da infância e a construção de um imaginário sobre este período permeiam a obra da artista desde o início de sua produção. Flávia leva a fotografia encenada para a sua fonte mais primordial: o espaço de espetáculo, encenação e contemplação. A artista tem se apropriado de exemplares arquitetônicos do patrimônio histórico e natural, nos quais ela constrói seus cenários. Nas encenações, sejam fotografias ou instalações, o balão é o grande personagem, encarnando diversos papeis: como elemento lúdico, cria a atmosfera de regozijo; como metáfora da decadência, assume o papel de espetáculo perene, apenas retido pelo instante fotográfico; ora ocupam o lugar dos espectadores, ora, a posição da artista, em um jogo de deslocamentos; outras vezes, assumem a simbologia criadora das narrativas fantásticas, que se constituem em peças-chave nos espaços ocupados pela artista. Doutoranda em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mestre em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (USP), pós graduada em fotografia e bacharel em Artes Plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP. Integra o Atêlie Fidalga sob coordenação de Sandra Cinto e Albano Afonso. Participou do projeto do programa de residências da Izolyatsia’s Platform for Cultural Initiatives na cidade de Donestk na Ucrânia com curadoria de Boris Mikailov (2011), da residência Cité Internationale des Arts em Paris com apoio da FAAP (2011), integrou o Programa PIESP da Escola São Paulo (2010) e atuou como assistente de cenografia no Espaço Cenográfico de São Paulo de J.C.Serroni. Entre os principais projetos e exposições coletivas que participou destacam-se: Culture and Conflict, IZOLYATSIA in Exile; Palais de Tokyo, The World Bank Art Program; Kaunas Photo festival; Exposição Individual “Tomorrow I will be born again” na Cité Dês Arts; coletiva “Una mirada latino Americana” do projeto Photo España; temporada de projetos Paço das Artes; prêmio Energias na Arte no Instituto Tomie Otahke, programa Nova Fotografia no MIS; Concurso Itamaraty; Residência RedBull House of Art; Atêlie Aberto da Casa Tomada, entre outros. A artista tem obras nos acervos de instituições como MAR-RJ, MAM-SP, MIS-SP, MAB-FAAP, Museu do Itamaraty, Instituto Figueiredo Ferraz, RedBullStation entre outros.
Texto crítico: Icaro Ferraz Vidal Junior
Icaro Ferraz Vidal Junior é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em História da Arte pelas Université de Perpignan Via Domitia e Università degli studi di Bergamo, atualmente pesquisador visitante no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.