Em “Rituais da complexidade”, quarta exposição individual de Fernando Velázquez na Zipper Galeria, o artista investiga os vieses da inteligência artificial a partir de uma perspectiva decolonial.
Revelando a partir de suas vivências multimídia, Fernando Velázquez confunde e reorganiza sistemas, não-lugares e informações colaterais em uma dialogia estética que parte ora da África, ora da Europa, entre saberes ancestrais africanos e procedimentos técnico-informacionais das grandes metrópoles do capital neocolonial. Em uma criação dinamizada pelo jogo e pelo inesperado, o artista trabalha com algoritmos e tensiona seus vieses, navegando por entre o universo das artes e das várias camadas de tecnologia e ciência. Confronta fronteiras entre passado, presente e futuro, entrecruzando destinos anunciados, navegando por diferentes interfaces, impressões e projeções. Em Rituais da Complexidade, a arte de Velázquez se dá pela quebra: artista, curador, educador e questionador. Quem veio primeiro?
Imagens são criadas a partir de experimentos em inteligência artificial obtidas por meio de algoritmos manipulados e treinados por Velázquez, onde padrões são aprendidos e a própria máquina inventa outras figuras que nascem dos hibridismos disformes, resultados dos encontros entre estéticas gregas e negro-africanas. Por meio de um sistema de códigos binários que se assemelha ao sistema divinatório do Ifá - uma tradição oracular do povo Iorubá na qual o consulente recebe como resposta aos seus anseios trechos de narrativas mitológicas, que atravessam fronteiras do tempo e estabelecem um sentido comunitário para as trajetórias de vida, com 256 odus, os caminhos que podem levar a inúmeros destinos - o artista investiga a antiga tradição guardada por saberes orais e trazida por corpos negros vindos da África Ocidental para o Brasil em tempos passados.
O funcionamento do algoritmo é autônomo, embora necessite de programação prévia, gerando suas próprias imagens e criando elementos por si mesmo. Como fica a questão da autoria da obra de arte quando o artista se mescla com a máquina em um ato de criação ciborgue? As bases de esculturas gregas e máscaras de origens africanas usadas nessa arte do agora nos provocam a pensar sobre o binômio contemporaneidade e tradição trazendo um sentido de crítica ao cânone, vemos a transformação do tridimensional em uma “arqueologia” de um passado imperfeito e inexistente e de um futuro no qual seja possível pensar arte e tecnologia a partir de outras matrizes de conhecimento que desloquem a ideia única de Europa como centro.
Tumultuando os tempos, refletindo sobre os desafios contemporâneos, universos digitais e epistemologias ancestrais, Fernando Velázquez com sua arte-desordem, combina diferentes origens de pensamento.
Hanayrá Negreiros