Ponha a chaleira no fogo. Quando a água ferver, pegue o envelope a ser aberto e faça movimentos lentos com as mãos, passando a aba colada várias vezes pela fina coluna de vapor. A cola vai se desprender aos poucos. Não pare o movimento para não molhar demais o envelope no vapor. Abra então cuidadosamente a aba, tomando cuidado para não rasgá-la.
Se violássemos a troca de correspondência entre dois fotógrafos, acharíamos dentro do envelope só imagens. Nada estaria explicitamente dito, seria preciso recompor o diálogo escrito com luz a partir de uma atenta observação das fotografias. A exposição Correspondências Visuais propõe esse exercício de bisbilhotice. Mas veja que o envelope nos foi dado semiaberto. Aliás, existe mesmo qualquer escrito que seja feito para não ser publicado? A carta mais sigilosa, se foi escrita, não pressupõe que deva ser lida por um terceiro algum dia, quando abrirem-se os baús? A mensagem de e-mail que não foi apagada, não intenciona justamente sobreviver e ser relida por arqueólogos da web no futuro distante? Há diário que não seja carente de um leitor intrometido?
Marcelo Brodsky vem quebrando a solidão do trabalho fotográfico com epístolas visuais, estabelecendo linhas de comunicação com vários outros fotógrafos, como registrado no livro Visual Correspondences, publicado em 2009. Durante dois anos, Brodsky estabeleceu um diálogo sem palavras com Cássio Vasconcellos, falando por imagens digitais. Um dizia construção, o outro respondia janela com paisagem, que virava grade e então quadrado, que no próximo e-mail voltava à janela, e incitava uma mudança de assunto, com a janela de um avião, que então levava a conversa para viagens, vento, céu e por aí vai. O que não falta é assunto nessa sequência encadeada por forma, conceito, tema, cor, e desvios. Em algumas passagens, os dois fotógrafos parecem virtuoses do jazz, que no momento da improvisação competem com frases rápidas em mixolídio. Segura essa? Seguro e repondo com mais. É quase possível ouvir o riso de desafio e admiração mútua entre as imagens.
A exposição na Zipper Galeria apresenta oito trechos de um longo dueto, oito pedaços de conversa, cada um composto de quatro ou cinco imagens. O que vemos não são fotografias isoladas, mas um conjunto que forma a imagem de um pensamento visual: a exposição como um todo é uma fotografia da linguagem que Brodsky e Vasconcellos usam entre si. Em cada frase, um dos fotógrafos lançou um pensamento, que cresceu com as subsequentes réplicas e tréplicas, até um ponto de conclusão. A conversa completa, com mais de 80 imagens é também apresentada, em uma projeção.
Com a anuência dos fotógrafos, entramos na intimidade de um pensamento visual, feito com palavras-imagem polissêmicas, numa troca entre dois que pressupõe um terceiro, o espectador. Como no diálogo musical dos jazzistas, a competição amigável fica mais excitante com uma plateia.
Paula Braga