Zip'Up: Paragem: Laura Gorski

17 Setembro - 22 Outubro 2011

Mar interior

 

“Mas não excluímos a possibilidade de um povo que se configure segundo o que Rimbaud tocou quando disse 'un peuple de colombes'  livre e aberto.”(1) O comentário, escrito em letra cursiva e imerso na superfície negra de uma lousa, acompanhava um conjunto de traços delgados, esboço de uma estrutura arquitetônica que tanto se assemelhava às bases de uma edificação quanto a um píer.

 

O quadro-negro com o píer se firmou como um dos pontos altos de Desvíos de la Deriva – Experiencias, Travesías y Morfologías, impecável mostra com curadoria de Lisette Lagnado realizada no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madri, no ano de 2010. Tratava-se de uma reconstituição de elemento da forte poética assinada pela Escola de Valparaíso, datado de 1972 e exibido originalmente no Museu Nacional de Belas Artes, em Santiago, Chile.

 

Uma das mais singulares experiências no cruzamento entre utopia urbana, poesia e arquitetura na América Latina, a Escola reverbera contemporaneamente no site specific realizado por Laura Gorski na sala Zip'Up, o primeiro do espaço. A artista paulistana elege como centro de sua obra a representação de um píer, que parece se libertar das cordas, amarras e estacas ligadas a um solo movediço e que resulta na criação de um movimento mais propenso à levitação e menos ao enraizamento.

 

Instante de suspensão poética em meio à estrangulada teia urbana de São Paulo, o desenho pede uma admiração detida, uma contemplação nada apressada. O banco de linhas severas ajuda o público a desacelerar o ritmo. A cor negra que invade as anteriores alvas paredes do espaço também auxilia na geração de uma experiência particular a cada participante. “Quanto mais industrializadas e tecnológicas são as aglomerações humanas, mais se faz imprescindível a elaboração de um antídoto para a sobrevivência no formigueiro”(2), frisa Lagnado.

 

Gorski é bem-sucedida na difícil empreitada de ressignificar o cotidiano, como atesta esta individual Paragem, assim como a anterior intervenção Paisagens Construídas, feita nas amplas fachadas do Sesc Pinheiros, também neste ano, e em Raízes Aéreas, outra intervenção disposta em preto e branco no niemeyeriano Pavilhão da Bienal, durante a SP Arte 2010.

 

É interessante também enfatizar que, ao lado da imediatamente anterior exposição Perto Longe, de Aline van Langendonck, e de Aéreos, de Fabio Flaks, a tríade de proposições de tais artistas paulistanos forma uma inventiva indagação sobre a megalópole de São Paulo, friccionando conceitos, ideias e práticas que se situam nos interstícios entre artes visuais e urbanidade. As vazias pistas de skate nas pinturas de Flaks, a sobreposição de grides, linhas e sons de Van Langendonck, dentro e fora do espaço expositivo, e, agora, os traços que se derramam nas negras camadas colocadas por Gorski na sala trazem questionamentos potentes sobre as relações entre o subjetivo e o coletivo, entre o essencial e o partilhado. “Por isso dizemos NÃO às 'casas' e SIM ao habitar”(3), provoca novamente a Escola de Valparaíso.

 

Mario Gioia

 

(1) LAGNADO, Lisette. Desvíos de la Deriva – Experiencias, Travesías y Morfologías. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madri, 2010, p. 36

(2) LAGNADO, Lisette, idem, p. 53 
(3) LAGNADO, Lisette, ibidem, p. 39