Suzana Scheinkman pinta detalhes de um lugar muito específico e fugaz: o vértice formado pelo encontro de consumismo e hedonismo. A artista salpica nas telas um repertório de imagens de revistas de moda e decoração, signos de opulência que aproximam suas pinturas da tradição das naturezas-mortas, gênero que teve seu ápice no século 17, no barroco holandês. Naquelas pinturas do auge do mercantilismo, a riqueza tomava forma de mesas fartas, com lagostas, cristais e vinhos. Mas como conciliar o prazer da contemplação de riquezas com a ética austera do protestantismo holandês? Incluindo na cena elementos que apontassem para a efemeridade dos bens materiais e da vida terrena. Daí as caveiras em meio ao banquete nas naturezas-mortas, lembrando a morte, ou a ampulheta advertindo que o tempo passa e as riquezas materiais viram pó. Ou ainda uma fruta começando a apodrecer no meio da cesta de uvas brilhantes e pêssegos tenros. Esses elementos moralizantes das naturezas-mortas barrocas chamam-se vanitas, palavra latina para vaidade.
Nas pinturas de Suzana Scheinkman não há flores nem frutos, tampouco lagostas. Quem quer que habite esses espaços não come, apenas consome. O excesso aqui não é atenuado por elementos vanitas. Ao contrário, ele é exacerbado por elementos que podemos chamar de inutilia: iPods, livros, CDs, muitas roupas e sapatos de grife, bolsas caras, jóias, copos, cigarros de todos os tipos. Vanitas apontava para a efemeridade. Inutilia aceita o descartável e passageiro como regra: a contemporaneidade é o império do efêmero. Imperativos da moda do verão passado ficam aglomerados em cômodos desarrumados, que definem um estilo de vida simultaneamente caro e despojado. Nonchalant. Oscar Wilde como guru: ”Meu gosto é muito simples. Gosto do melhor de tudo”.
Nessa vida estetizada, é chique ser culto, ler algum Fernando Pessoa, ouvir música em vinil, cultuar Serge Gainsbourg, e gostar de Antonioni, todas essas referências que caracterizam os perfis de páginas do Facebook. Like. Então essas pinturas deixam de ser apenas naturezas-mortas; são também retratos de nós mesmos. Se nas naturezas-mortas holandesas os símbolos vanitas atenuavam o apego material, aqui (e nos perfis virtuais) a cultura atenua a futilidade e o consumismo exacerbado: dandismo na era do capitalismo tardio.
Mesclando o real e o representado, algumas pinturas de Suzana Scheinkman mostram pedaços de ateliês, com pincéis e tubos de tinta. Cada uma das obras dessa exposição poderia ser um objeto de luxo desses ambientes “simplesmente refinados”.
Ao serem comparadas a objetos do desejo, as pinturas de Inutilia entram nelas mesmas, fazem parte daquilo que são, e resvalam na questão da necessária inutilidade da arte e do risco que essa inutilidade corre quando a obra passa a ser produto. A salvação é saber que depois do passo da compra, tudo queda inútil, espalhado pelo chão.
Paula Braga