Assombrar-se diante do absurdo, abrandar-se na presença da graça. Talvez se possa descrever assim a experiência forte de ver Flávia Junqueira em ato, compondo com excêntrico rigor suas imagens insólitas. Perdido na profusão de cores, com o olhar ofuscado pela explosão de brilhos, o espectador se deixa provocar pelo despropósito. A artista não se abala, não se perde jamais: poeta austera a deslocar palavras em seus versos, move balões sem nunca se cansar. Batalha centímetro a centímetro o lugar exato de cada objeto, o ponto preciso do espaço que ninguém mais descobrirá. A esta altura o espectador pode até rir, tomado pelo disparate, já se perguntando se a arte não estará no movimento incessante, se aquilo que vê não será uma performance. E é nesse preciso instante que uma graça se faz outra graça, e uma arte se faz outra arte.
É quando o obturador se fecha, e quando a foto é revelada, que se desvela o sentido de tantos incansáveis esforços. Estamos subitamente deslocados ao espaço movediço de outras artes, ao museu, ao monumento, aos velhos teatros. Estamos imersos no longínquo cenário de uma cultura nacional, sentindo o peso da história, ouvindo o silêncio do passado. Nenhum espetáculo parece iminente agora, nenhum ator pisará no palco, o público ausente não terá a quem oferecer o seu aplauso. E, no entanto, lá estão os incontornáveis balões, a transtornar o espaço, a nos comover com sua presença enigmática. A leveza a contrariar o peso, a cor a cobrir o silêncio, a delicadeza a se opor à gravidade. Os balões são os artistas a tomar o palco, tenha o teatro a forma que tiver, seja ele a rua, seja ele o céu. Ou será o contrário? Os balões são os espectadores na plateia, a nos devolver a nossa imagem, nós os artistas no palco, paralisados.
Nada dura mais que um instante, logo recobramos o movimento dos nossos corpos, logo estamos de volta ao nosso lugar. Nada está ali para durar: basta um breve afastamento e percebemos estar diante da evanescência, da efemeridade. No tempo de um suspiro, ou pouco mais, os balões estarão murchos, cobrirão o chão já sem nenhum brilho, suas cores agora quase mortas, a festa quase acabada.
Mas antes de irmos embora, uma última presença inesperada. Flávia no centro do palco, a contemplar os balões como quem contempla outro passado, menina a vasculhar no tempo a sua própria infância. Eis a sua fantasia reiterada: o anseio de repetição e retorno que habita toda criança, restauração momentânea do que mais deseja, a leveza, a cor, a rua, o céu. Eis o que a artista nos devolve, ainda que por um átimo, indevassável: a nossa infância, em tudo o que tem de absurdo, em tudo o que tem de graça.
Julián Fuks