Depois do fim da imagem, o que vem? Mais imagens, porque a vida hoje é mediada integralmente por elas. São de outra ordem, porém. Porque carregam, além do que possam eventualmente pretender repre- sentar ou referenciar, o fracasso da ideia de representação ou de repro- dução. Não por acaso, a fotografia enfrenta a maior crise de identidade de toda a sua existência. Ficou sem lugar depois que tomou por inteiro o espaço da imaginação. Perdeu a função depois de ser cooptada por um sem número de vocações socioculturais. E, acima de tudo, acabou sem ambiguidade, sem opacidade - essa característica absolutamente imprescindível para que um objeto cultural qualquer participe do univer- so da arte. Também os derivados da fotografia, como a pintura de base fotográfica, vêm experimentando a mesma sorte.
Monica Tinoco, em sua inquieta investigação da linguagem fotográfica, do pensamento colagístico e da lógica abstrata, encontrou uma boa resposta para a questão que abre o presente texto. Depois do fim da imagem, a abstração é a nova imagem – ou a única imagem possível. A artista propõe, no discurso de suas obras, uma crítica à pintura abstrata, mas sem cinismo. Em outras palavras, ela não transforma em figura o repertório das "maneiras abstratas", como fazem diversos artistas hoje no embate com essa tradição específica, transformando-a simplesmente em outra forma de figuração – no sentido em que se poderia dizer, por exemplo, que Gerhard Richter é figurativo quando faz obras abstratas.
O que ela faz, e que o painel circular de pequenas obras que a artista apresenta logo na entrada de sua exposição evidencia, é se apropriar de todas as "maneiras abstratas" da arte recente (sobretudo brasileira, mas não só), não como imagem, mas como processo, como procedimento, como linguagem, conquistada a custa de muito trabalho, braçal mesmo (e não menos intelectual), trabalho solitário de ateliê e corpo a corpo com toda uma cultura material (e imaterial) que permeia seu contexto de formação como artista e de atuação como fotógrafa, assim como seu diálogo incansável com a arte de seu tempo e com a sensibilidade digital de seu entorno.
O conjunto de pinturas-processo, pinturas-colagem, de pinturas-sobre-pintura e fotografias-sobre-fotografia do painel construído na entrada da sala é só aparentemente disparatado. As obras ali reunidas foram montadas tão próximas uma da outra por duas razões: mostrar como tratam todas de uma mesmíssima questão, e acentuar a materialidade de todas as obras expostas, mesmo as fotografias. Cada trabalho aqui tem corpo, tem volume, tem vestígios de manipulação e camadas de história, mas, acima de tudo, tem uma relação intrínseca com o trabalho que está ao lado dele. Se vistos apenas como imagem, podem se as- semelhar aos ambientes virtuais; vistos como matéria, revelam bastante sobre a natureza da imagem depois da imagem.
Juliana Monachesi