Zip'Up: Lacrimogêneo: Myriam Zini

19 Outubro - 16 Novembro 2013

Cacos, pedras, superfícies

 

As pinturas de dimensões generosas e de intenso cromatismo de Myriam Zini, agora apresentadas em sua primeira individual, Lacrimogêneo, dentro do projeto Zip'Up, não se oferecem a leituras medianas. O observador as admira ou as rejeita, com o mesmo vigor. Em linhas gerais, a fecunda produção pode ser lida como uma tentativa de poetizar a maximizada circulação de imagens e informações via fontes diversas, num ampliado escopo do que já foi conhecido como mass media, e também como a realização de trabalhos sedimentados na tradição pictórica da arte contemporânea, cujos subgêneros podem receber o nome de bad painting, pintura livre, pintura expandida, entre outros.

 

Nas obras de séries como Caminho das Pedras, extraídas a partir de fotografias apresentadas em jornais e revistas sobre a Cracolândia paulistana e sua eterna situação de flagelo, e Lacrimogêneo, feitas a partir de imagens de protesto captadas mundo afora e também veiculadas à exaustão por variados meios _ o marcante Junho de 2013 e a permanência dos Black Bloc no noticiário, por exemplo, geram uma curiosa atualidade para o conjunto -, a artista francesa nascida no Marrocos e hoje radicada no Brasil exibe uma indubitável habilidade em compor cenários que chamam a atenção. Em tempos de hiperexposição, cenário é um bom termo, já que hoje quase tudo tem a ver com performar, representar e ser visto.

 

Por meio dos escorridos pela superfície das telas, da colocação de zonas de cor a definir formas e volumes - um boné em azul e branco de uma pintura é ótimo exemplo -, da junção pouco regrada entre ideia inicialmente pensada e assimilação dos acidentes no fazer e da oscilação entre composições mais incompletas ou reunidas fortemente pelo acúmulo e sobreposição de elementos, Zini cria um corpus de peças sedutoras ao olhar, em especial a quem conhece nomes tão distintos como Daniel Richter e Annette Messager, por exemplo. A facilidade com que a artista vai de pinturas em chassis grandes a trabalhos também com a tinta, só que colocadas em superfícies de pequena monta, descartadas e menos óbvias, como pedaços de madeira, ripas e ladrilhos, além de papeis de segunda mão, como o dos jornais e os das revistas, também traz à produção um frescor e uma despretensão que aproximam o conjunto não apenas da pintura, mas também do desenho e da assemblage. A característica matérica das pinceladas e do gestual sobre tais superfícies não deixam de remeter a uma vontade tridimensional.

 

Uma interessante observação que vem ao analisarmos todo o conjunto é atestar como o caos e a desordem do mundo, que é retratada com vastas produções desde tempos remotos, de Brueghel à web art, ganha uma estandardização dominante por meio do fotojornalismo e da publicidade, por exemplo. Nas pinturas de Zini, é visível como as fotografias apresentadas por meios impressos seguem composições mais ou menos óbvias, pouco moventes e que se amparam em clichês que confortam e tranquilizam os olhares médios. Em série anterior da artista feita a partir de comerciais de produtos esportivos, a publicidade revela seu traço nada transgressor, repetindo fórmulas visuais consagradas. Assim, há a necessidade de Zini como autora que se reapropria de tais signos e os mixa, sem sentidos unívocos, de sobrepor, acumular, raspar, decalcar e retirar elementos da pintura.

 

O caos plástico-visual que perpassa a obra da artista pode gerar uma leitura mais política sobre tais trabalhos, como um comentário sobre tempos fragmentados e epidérmicos. A necessidade da intervenção da artista a partir desse caldo de imagens e informações despejados a torrentes em nosso dia-a-dia, contudo, não tem a ver apenas com nos darmos conta da alienação, do medo do outro, da exclusão social e da gentrificação, por exemplo. A volumosa produção de Myriam Zini nos lança ao 'olho do furacão' desses dias sempre divulgados como 'de transição', e, com força visual, ratificam nossa condição efêmera e finita.

 

Mario Gioia, 2013