O mundo contemporâneo está pautado por uma constante aceleração. As tecnologias de comunicação possibilitam a circulação de um volume de informações a uma velocidade nunca antes vista. Novas escalas de mensuração do tempo são criadas para tentar apreender numericamente aquilo que a percepção humana não alcança. Nanossegundos e picossegundos fazem parte de um vocabulário técnico que se dissemina em nosso cotidiano. E que, de tão abstratos, passam a ser compreendidos como metáfora da rapidez da vida, da passagem dos minutos, horas, dias[1].
Fernanda Valadares nos oferece o oposto a tudo isso. Sua obra pede tempo. Pede que o olho se sensibilize, que o corpo todo pare. Seja partindo de amplos horizontes ou de planos construídos, a artista nos convida a desacelerar, escutar o silêncio e tentar compreender por que a noção de sublime parece não mais fazer sentido hoje. Apenas parece.
Na série Himalayas percorremos cordilheiras em um continente inventado. Nessa geografia particular, realidade e ficção se transpassam, plenitude e imensidão se encontram. Na obra de Fernanda, já não importa saber a que lugar a monumentalidade daquela paisagem corresponde. São os detalhes que tornam suas montanhas uma montanha qualquer e ao mesmo tempo única. Um lugar que existe para a artista e para aqueles que se permitem o momento da percepção. Onde toda a virtualização do hoje se materializa. E que em sua materialidade aciona memórias de uma arquitetura natural existente. Um espaço absoluto e sublime.
Desse sétimo continente, estado mental, emergem outras possibilidades. Nele o silêncio fala e a comunicação ocorre por infralinguagem[2]. Aqui os significados não são fixos, mas se deslocam de uma referência a outra, deixando as imagens falarem por si, permitindo que as trocas se estabeleçam a cada encontro. Como Fernanda, que nos mostra espaço para falar de tempo. E falando de tempo nos faz vivenciá-lo, pois somente assim podemos experienciar sua obra.
Mesmo quando a artista representa espaços internos, como em 23°35'17S 46°38'13"W e 23°34'15"S 46°42'18"W, lacunas preponderam e o que não está presente aparece. O grande formato e a ausência de cores deixam espaço para a contemplação e reflexão. Para Fernanda, vazio não é o mesmo que nada. Ele abstrai ruídos e configura possibilidades para o visível.
Nesse continente imaginário, os segundos se alargam. E em seu mapa mental - em que o tempo é a principal dimensão -, o onírico permite que transcendamos da forma e da técnica para questões que beiram a metafísica e (por que não?) a política. Que da imersão física no trabalho e pensamento poético da artista se possa compreender uma outra forma de lidar com a realidade contemporânea, buscando um estar no mundo que extrapole a escala comprimida dos nanos e picos em direção a uma existência mais simples e afetiva. Que esse fluxo constante de imagens desacelere até termos a possibilidade de momentos de parada. E que, mesmo confrontados com o peso dessa quantidade de informações - visuais ou não -, possamos respirar com maior leveza. Porque é a partir dessa noção de leveza que conseguimos, por contraste[3], compreender o peso de cada objeto, ação, pensamento, átomo.
Pensar nesse peso é fundamental para Fernanda, alguém que continuamente se debruça sobre a matéria para fundir camadas de cera. Mesmo que ela se veja como pintora e faça da encáustica seu principal meio e suporte, essa mostra nos possibilita uma imersão num universo muito mais amplo. Madeira e papel em sua condição de matéria adquirem carga simbólica e nos mostram uma artista de reflexão poética e expressiva complexa. Aqui também há camadas a serem desveladas. Nesse sétimo continente, sutilmente delineado na ponta do grafite, não há limites ou fronteiras. Tudo são possibilidades.
Bruna Fetter
[1] VIRILIO, Paul. Negative Horizon: An Essay in Dromoscopy. Continuum Publishing, 2006, 227 p.
[2] LATOUR, Bruno. Reagregando o Social. Uma Introdução a Teoria do Ator-Rede. Salvador : Edufba, 2012; Bauru, Sao Paulo: Edusc, 2012. 400 pag.
[3] CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas/ Italo Calvino : tradução Ivo Barroso - São Paulo : Companhia das Letras, 1990.