A matéria do tempo como experiência no espaço
Diego Arregui, artista peruano que atualmente reside no Chile, expõe pela primeira vez no Brasil, marcando o recente interesse da Zipper Galeria em promover intercâmbio internacional através do projeto Zip'Up.
O projeto de Arregui intitulado Armadilha para distender o espaço apresenta uma instalação que instiga a constatação da ambiguidade nos processos perceptivos. Sua proposta estabelece jogos visuais que confundem a noção de profundidade, dificultando a distinção entre o que está dentro e o que está fora; aquilo que é inerente à representação ou que habita a realidade compartilhada. Revela com simplicidade poética o quanto a especificidade do ponto de vista fatalmente condiciona o entendimento.
Basicamente, o procedimento da obra consiste em escurecer um ambiente pintado de preto para projetar uma fotografia em grande escala, dialogando com a dimensão arquitetônica local. Entretanto, antes de alcançar seu destino no fundo da galeria, a projeção é interceptada por superfícies bidimensionais estrategicamente colocadas no meio do caminho. Assim, a imagem recai também sobre outros planos que flutuam no espaço, forçando a reconstituição da cena por meio da soma cognitiva das partes. Deste modo, Diego Arregui desconstrói a imagem fotográfica em camadas separadas, e, com isso, produz lacunas capazes de dilatar o momento de apreensão.
Em geral, diante de trabalhos desta natureza, o observador instintivamente tende a procurar pelo melhor posicionamento no ambiente onde a lógica da imagem poderá ser restabelecida, desvendando o quebra-cabeça que recompõe o enquadramento original.
Ou então, pelo contrário, o sujeito pode experimentar a obra circulando aleatoriamente, desfrutando a oportunidade de caminhar no interior de uma imagem. Explorar alternativas oferecidas em cada conjunção de fragmentos percebida a partir daquela posição única. Cada variação de ângulo multiplica exponencialmente o reconhecimento de padrões visuais que ora se conectam, ora se desencaixam.
Os intervalos instituem vazios ativos, assim como o silêncio entre as notas e acordes dão ritmo à música, segundo Arregui. O vazio é matriz, berço de inúmeras potencialidades latentes que vão sendo decantadas aos poucos, transformando-se em realidade mediante o olhar de quem as percebe.
O registro fotográfico empregado neste trabalho testemunha ruínas de um vilarejo localizado ao norte do Peru, chamado Chuyillache. Este povoado foi arrasado durante o grave desastre natural causado pelo fenômeno El Niño, em 1983. Diego Arregui fotografou as casas abandonadas adotando uma postura frontal, a fim de ressaltar o aspecto chapado na captura das superfícies. A tomada de cena tira proveito de janelas remanescentes nas ruínas para mostrar uma sequência de planos justapostos, cuja profundidade é ainda mais ressaltada na montagem da instalação.
Tanto o simbolismo associado à janela quanto a ruína desempenham papéis significativos neste projeto. A janela possibilita a visão através de, ultrapassando os limites do espaço confinado sob certo enquadramento, sob determinada perspectiva. Encarna sugestivamente a dimensão arbitrária da percepção, lembrando-nos que o espaço, bem como o tempo, é construção subjetiva codificada pela mente humana. Já a ruína evoca a constância do passado sempre moldado pela interação estabelecida com a atualidade. O passado só tem existência nas reminiscências que sobrevivem na contemporaneidade, no efeito dos ecos que atuam sobre o agora. Tanto o futuro quanto o passado só existem sob a ótica do presente.
Denise Gadelha