Os mastros de Estela Sokol
Desde o início de sua produção, Estela Sokol vem se dedicando com igual interesse tanto à pintura quanto à escultura. O fato dela não se fixar apenas em um desses meios, a princípio tão diferentes e que colocam suas próprias questões, sempre me intrigou. Não que isso fosse necessário, pois exigir da arte pureza, a essa altura da história, é no mínimo ingênuo. Contudo, acredito que isso possa ser visto como um desafio - e entender como e onde essas duas linguagens se cruzam em seu trabalho é um passo fundamental para acessá-lo.
Neste sentido, a exposição Mastro representa um momento importante em sua trajetória, pois a artista parece ter se concentrado, antes de tudo, em dar ênfase a essa relação. O conjunto principal da mostra é formado por três grandes pinturas em plástico PVC e seis esculturas em mármore, com ou sem cor. O título geral, bem como aqueles dos trabalhos individuais, são mais do que uma referência formal ou homenagem ao pintor Alfredo Volpi. Diria que a aproximação entre os dois artistas se dá antes pela ideia de afinidades eletivas.
Nota-se nas pinturas e nas esculturas de Sokol a ativação recíproca entre espaço e cor (que, no caso das peças recentes, inclui a superfície branca do mármore), e que é um elemento essencial das pinturas de Volpi. Nele, a arquitetura não está presente apenas como uma imagem do bairro suburbano, suas fachadas e casas. Ela é corporificada no modo como o espaço se exterioriza a partir da incidência da luz na superfície da tela, realçando a transparência aérea das cores, que são rigorosamente construídas pela sobreposição de camadas de têmpera. Sua luminosidade ao mesmo tempo espacial e atmosférica surge em um movimento de dentro para fora, em ritmo lento e sem passagens muito bruscas. Mesmo em suas pinturas mais construtivas, nas quais o artista multiplica a forma das bandeirinhas por todo o plano do quadro, tornando mais ambígua a relação entre a figura e o fundo, a cor e a luz como tais nunca deixam de ser fundamentais na formação desse mesmo plano.
No caso das pinturas de Sokol, cruzes e faixas também são construídas pela sobreposição, em geral de três camadas de plástico colorido transparente. E elas aparecem (e desaparecem) a partir da incidência da luz sobre o plano. Em comparação às esculturas realizadas anteriormente, as peças recentes parecem se concentrar no caráter de reflexão da luz, propiciada pelos diversos tons de branco presentes no mármore, e no jogo de volumes regulares. Aqui, as cores, que em outros trabalhos eram fosforescentes, surgem em menor escala e rebaixadas, em harmonia com o a paleta volpiana. Mesmo assim, essas peças não deixam de ter algo de pictórico, pois continuam falando de cor e luz. Há uma permeabilidade da superfície, uma correspondência com o entorno, que impossibilita que elas sejam percebidas apenas como sólidos geométricos.
Por outro lado, é evidente que Sokol mantém afinidade com a inteligência construtiva sutil de Volpi e o modo lúdico, no sentido do jogo livre, como realiza suas composições. Não há uma rigidez no exercício dessas formas, nem cálculo matemático que dê conta de sua organização. O embate com esses trabalhos é sempre no nível experimental. Utiliza-se a geometria, mas nunca abstratamente.
Nas pinturas de Sokol, apesar da reciprocidade entre o dentro e o fora, tem-se a impressão de que por mais que as cores se manifestem em um deslocamento para o espaço tridimensional, há sempre uma última camada que resiste à exposição. Um núcleo que poderíamos chamar de íntimo, alheio à revelação. E que paradoxalmente convive com a uniformidade das construções geométricas e dos materiais industriais. A meu ver, a artista de certa maneira busca juntar as duas pontas de um arco: o impessoal que domina nossas relações, a objetividade tomada como uma "paixão" contemporânea, que não deixa traços do que seria humano e o lado poroso da experiência, que não deseja reduzir tudo a um denominador comum e sabe que há, sim, coisas que permanecem quietas, silenciosas, irredutíveis à exteriorização. No fim, temos a sensação que é esse silêncio tão significativo que predomina na exposição Mastro.
Taisa Palhares