
Segundo o dicionário, “poético” é aquilo que produz inspiração, que tem qualidades, atmosfera ou encanto da poesia. Não existe forma de arte sem poesia, afinal não é possível haver obra que não transcenda a sua materialidade e alcance a dimensão sensível e subjetiva. Nas artes visuais, ela reside nos textos e discursos em torno das obras, mas também nas escolhas formais, nas ausências, nos gestos, nas auras criadas e na maneira como um trabalho ressoa conforme a experiência de quem o contempla. Podemos dizer que ambas as linguagens convergem na capacidade de sugerir mais do que afirmar.
Hoje, no Dia Mundial da Poesia, celebrado desde 1999 no dia 21 de março, apresentamos algumas produções do artista Ivan Grilo, representado pela Zipper Galeria, que frequentemente incorpora esta, que é uma das mais antigas formas de arte literária, em seu corpo de trabalho. Uma das facetas mais evidentes dessa interseção entre artes visuais e poesia no trabalho de Grilo está nas peças em que o artista materializa frases em esculturas de metal, a fim de perpetuar e conferir a fisicalidade do bronze àquilo que é etéreo – a palavra. E, por isso, é nesta fração do seu trabalho que vamos nos concentrar neste artigo.
Conteúdo do artigo:
A poesia para contar histórias
No processo criativo de Ivan Grilo, é comum a apropriação de textos históricos, cartas, documentos e fragmentos de narrativas que são reconfigurados poeticamente. Diferente da prosa, que costuma ser mais linear e literal, a poesia se permite operar por meio de elipses, metáforas e sugestões. Essa abertura é essencial para o artista, pois seu trabalho lida com temas como memória, ausência, deslocamento, esquecimento, tempo e afeto – assuntos íntimos, subjetivos e, por vezes, abstratos.
Ivan Grilo, Abraçar os Rochedos, 2019
Em “Abraçar os Rochedos” (2019), o artista recorre ao gênero de poesia narrativa para descrever uma travessia sem ponto de chegada definido, uma experiência de se perder e a necessidade de ancoragem. A escolha do bronze como suporte reforça as dualidades entre o efêmero e o permanente, entre a fluidez da memória e a inflexibilidade da matéria. Fica em aberto quem é o narrador, qual é o contexto temporal ou geográfico desta lembrança.
“Fazer juntos”
Ivan Grilo, Fazer juntos, 2023
Há algo inerente a qualquer produção poética: embora emanada de um autor originário, ela sempre pode ganhar novas dimensões à medida em que é lida por outras pessoas. Uma poesia, ao ser pronunciada, convoca as experiências, os sentimentos e as memórias individuais de quem a lê. É essa capacidade de ativar o interior e de se metamorfosear no olhar de cada um que confere à ela sua essência: a subjetividade.
Nesse sentido, é conferido ao público que está diante dos trabalhos de Grilo a posição de locutor, de agente ativador da obra. Não à toa, muitos de seus textos são redigidos em tom de mantra, ou seja, funcionam como frases que precisam ser lidas, pronunciadas e meditadas para terem seus sentidos plenamente acessados. É o caso da obra “Aceitar, merecer, honrar” (2024). Esta é uma das formas do artista se distanciar dos propósitos apenas visuais do recurso da escrita e imergir o público em atmosferas de introspecção.
Ivan Grilo, “Aceitar, merecer, honrar”, 2024
As poesias indizíveis ou silenciosas
Ivan Grilo, Inefável, 2024
A poesia antecede a escrita. Antes de se inventar as formas de redação, ela já era transmitida oralmente, em especial acompanhada da música. Mas na obra “Inefável” (2024) de Ivan Grilo, a poesia dispensa até mesmo o que pode ser enunciado e se afirma justamente nesta impossibilidade. Com duas placas de bronze em branco, sem qualquer inscrição, o artista captura, como o título da obra sugere, o indizível. A contradição inerente a esta obra estreita a capacidade da arte de superar as barreiras da linguagem. Se em outros trabalhos a palavra toma corpo no espaço, em “Inefável” o espectador é incitado a aceitar a existência de significados verbais que escapam à representação.
Do mesmo modo, em “Pauta, Pausa e Silêncio” (2020) o artista dá forma à ausência das palavras e encontra poesia no intervalo entre elas. A composição é pautada, mas desprovida de texto, apenas com pontos finais, vírgulas e barras. Grilo deixa uma brecha aberta para, mais uma vez, devolver ao espectador o espaço para co-criar e projetar suas próprias bagagens, sentimentos e interpretações.
Ivan Grilo, Pauta, Pausa e Silêncio, 2020
Visite a Zipper Galeria
Se te interessou conhecer mais da produção poética de Ivan Grilo, nada substitui a experiência de ver suas obras de perto. Faça uma visita à Zipper Galeria e confira pessoalmente esta produção no nosso acervo. A Zipper funciona de segunda a sexta, das 10h às 19h e, aos sábados, das 10h às 17h, na R. Estados Unidos, 1494 - Jardim América, São Paulo – SP.