Como as performances podem ser comercializadas?

Entenda como uma performance pode se desdobrar em diferentes formatos e como cada um deles é vendido.
Janeiro 22, 2025
Pipilotti Rist, “Ever Is Over All”, 1997
Pipilotti Rist, “Ever Is Over All”, 1997

Você já se perguntou como uma obra performática pode ser vendida? O que o comprador recebe quando a compra? Diferente de uma pintura ou uma escultura, cuja materialidade facilita a circulação no mercado, a performance levanta questões sobre como capturar, registrar e transferir o valor de uma experiência ao vivo para a casa de colecionadores ou instituições culturais. Mas, ao longo das décadas, artistas e galerias encontraram suas maneiras para transformar a imaterialidade da performance em produtos negociáveis. 

 

Para compreender melhor este assunto, é preciso conhecer a ampla gama de formatos que uma performance pode ter. O que está em jogo, afinal, não é o objeto, mas o significado, a experiência e o potencial de reviver, ainda que parcialmente, a força do momento original.

 

Conteúdo do artigo:

 


Primeiros experimentos performáticos e a performance-instrução

Pode-se dizer que a performance não nasceu com objetivos ligados à comercialização, mas sim à ideia de romper com os sistemas tradicionais do circuito artístico. A história da performance nas artes visuais é rastreada até as produções futuristas italianas e os cabarés dadaístas, na Suíça, da década de 1910, que já promoviam eventos experimentais performáticos. 


Entre as décadas de 1950 e 60, surgiu aquilo que o pintor estadunidense Allan Kaprow cunhou como happening, uma forma de arte que envolvia ações espontâneas e relacionadas à vida cotidiana, que não poderiam ser reproduzidas de forma idêntica em outra ocasião. Um exemplo marcante deste período foi o movimento Fluxus, organizado em 1961 pelo lituano George Maciunas. Yoko Ono, uma das integrantes do grupo, criou performances acompanhadas de partituras ou instruções, que ganharam maior visibilidade especialmente pelo livro Grapefruit (1964). A publicação compilou grande parte dessas peças e foi um dos primeiros exemplos de comercialização popular de performances, sendo acessível ao público e potencialmente reprodutível por qualquer pessoa, sem depender da presença da artista. Já os registros originais são comprados por colecionadores e instituições por valores bem mais altos. Em geral, os interessados em adquirir as performances-instruções, podem ter direito de exibir os papéis como documentos ou até de reproduzir a performance seguindo as diretrizes do artista, dependendo da intenção da obra e da negociação. 



Yoko Ono, "Painting For The Wind", 1961, de Grapefruit , publicado em 1964. 


Objetos e documentos relacionados à performance 

Entre as décadas de 1960 e 70, a performance ganha força e espaço. Deste período, não podemos deixar de citar, por exemplo, Joseph Beuys, que realizou obras icônicas na história desta linguagem, como “How to Explain Pictures to a Dead Hare” (1965) e “I Like America and America Likes Me” (1974). Um dos meios de comercialização que o artista explorou foi o de múltiplos como relíquias de uma performance. Ou seja, outra forma de venda neste contexto é ligada a objetos e vestígios das ações – como o feltro e os bastões usados por Beuys –, e não à ação propriamente dita. 


No 16º Salão dos Artistas Sem Galeria, atualmente em cartaz na Zipper Galeria, o artista Mauro Yamaguti apresenta a obra “X minutos de desenho - tempo da performance” (2024), um desenho resultante de uma performance. Durante a ação, Yamaguti transcreve com uma caneta vermelha textos extensos, como a Constituição Federal, sobre um mesmo pedaço de papel. À medida que as frases se sobrepõem, a pressão e a tinta acumuladas causam o rasgo do papel, que se assemelha à imagem de uma ferida. A materialização visual deste processo é mais um exemplo de obra, disponível para comercialização, que está relacionada à performance, mas que também atua de forma independente. 


Mauro Yamaguti, “X minutos de desenho - tempo da performance”, 2024


Documentação como objeto artístico

Diante de uma linguagem tão efêmera, a fotografia se mostrou grande aliada dos performers. Mas você sabe a diferença entre um registro de performance e uma fotoperformance ou videoperformance? O registro remonta a uma função mais documental, em que a câmera captura o momento efêmero da ação, mas sem ser parte dela. Nesse caso, a obra acontece com foco naquele momento presente e é dirigida ao público. Um exemplo marcante deste formato é o registro da performance "Imponderabilia" (1977), de Marina Abramović e Ulay, em que os dois artistas ficam nus, de frente um para o outro, em um estreito corredor, forçando os espectadores a passarem por entre eles, numa espécie de intimidade forçada. O registro em vídeo deste trabalho, incluindo as reações do público, foi amplamente disseminado e colecionado.


Já a fotoperformance, é realizada pelo artista para a câmera, muitas vezes em uma posição estática, como uma ação encenada, cuja composição seja a própria obra. Como exemplo, podemos citar Celina Portella, artista representada pela Zipper Galeria, que tem sua poética baseada na pesquisa dos campos da representação do corpo e sua relação com o espaço. Suas instalações são compostas por autorretratos, que muitas vezes ultrapassam os limites bidimensionais e propõem uma subversão dos suportes. 

Celina Portella, “Corte 1”, 2019


A partir da década de 1980, com o advento do vídeo como suporte artístico, as performances passaram a ser registradas e vendidas como vídeos autônomos, fazendo da documentação uma obra de arte em si. Aqui vale citarmos Nam June Paik, um artista sul-coreano que participou do movimento Fluxus, frequentemente creditado pela descoberta e criação da videoarte. Outro grande nome deste meio é Pipilotti Rist, artista suíça que, ao explorar conceitos feministas, funde as imagens de seu corpo em experimentações oníricas.


Na contramão destas propostas, podemos citar Tino Sehgal, um artista de ascendência alemã e indiana, radicado em Berlim, que radicalizou a comercialização ao proibir qualquer documentação visual de suas performances. Ele vende suas obras por meio de contratos verbais detalhados, que estipulam como a ação deve ser executada.