Nos Bastidores da Arte: Marco Túlio Resende

Conheça mais sobre o mais novo artista representado pela Zipper Galeria
Novembro 28, 2024
Nos Bastidores da Arte: Marco Túlio Resende

Marco Túlio Resende é um artista que investiga a construção do humano entre memória, matéria e tempo. Tendo integrado diversas mostras individuais e coletivas, com destaque para a 12ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1973, agora participa da exposição coletiva Zipper Open, em São Paulo, com visitação até 20 de dezembro. Confira sobre sua produção a seguir. 


Conteúdo do artigo:


 

Origens e inserção na arte

Nascido em 1950, em Belo Horizonte, Marco Túlio Resende construiu, ao longo de mais de cinco décadas, uma produção artística baseada no encontro entre memória e matéria. Segundo o artista, a terra marca a identidade de todos os mineiros e não foi diferente com ele: com suas cores, texturas e simbolismos ancestrais, a matéria impregnou no seu imaginário e moldou suas investigações poéticas. Elementos como argila, madeira e carvão assumem protagonismo em suas obras e mediam reflexões sobre identidade, tempo e a condição humana. Como um alquimista contemporâneo, ele produz suas próprias tintas a partir de pigmentos naturais e explora uma paleta centrada apenas em tons terrosos, brancos, pretos e azuis. 


Além de um artista, cujo corpo de trabalho atravessa pintura, escultura, desenho, gravura e instalações, Resende é um grande educador, que lecionou por 37 anos e, ainda hoje, mantém as portas de seu ateliê abertas para receber turmas escolares. Tendo estudado artes plásticas na Escola Guignard, em Belo Horizonte, entre 1971 e 1974, o artista retornou à escola em 1979 como docente depois de ter feito seu mestrado na School of the Art Institute of Chicago - Artic, Estados Unidos. 

 

Elementos conceituais que sustentam sua produção


Museu do abandono. Cortesia do artista.


A questão do acúmulo é central em sua produção. Resende é um colecionador de histórias, objetos e imagens. Em sua “estante-museu do abandono”, objetos garimpados são relicários de um cotidiano esquecido. Dessas coletas surgiram trabalhos como a série “Hiato”, criada durante a pandemia a partir de uma fotografia que encontrou na lixeira de uma gráfica na década de 1980. Mas os excessos não se restringem apenas às fases de pesquisa do artista, eles também constituem o conceito e apresentação final de seus trabalhos, que comumente se agrupam em extensas séries. A exemplo disso, “Hiato” é formada por 300 pinturas de rostos desfigurados. 


Marco Tulio Resende, da série “Diários”, 2015


Enquanto em seus desenhos Resende registra observações cotidianas com espontaneidade dos gestos – a exemplo da série “Diários” –, por meio de suas esculturas, ele traz mais densidade e permanência, em diálogo com a ancestralidade dos materiais e das técnicas que eles exigem — como por exemplo a queima Bizen, uma técnica milenar japonesa em que as peças são queimadas sem esmalte por cerca de quatro dias. Essas escolhas reforçam a conexão das obras com as simbologias da passagem do tempo e da ideia de ancestralidade que a terra carrega. 


Marco Tulio Resende, da série “Ecce Homo”, 2015/2018


Em uma de suas estadias em Ouro Preto, em ocasião de uma mostra em que participaria, Resende conheceu o bairro chamado Cabeças. Intrigado com o nome do local, ele pesquisou e descobriu um histórico sanguinário: durante o auge da corrida do ouro, malfeitores eram decapitados e suas cabeças eram espetadas nas entradas da cidade como forma de aviso. Foi a partir dessa história que criou “Ecce Homo”, uma série de esculturas de cabeças abstraídas, feitas de argila e marcadas por um gestual expressivo que preserva os imprevistos do processo.


Além de dialogar com a história local da cidade mineira, a série é constituída de camadas de significados universais. O título em latim faz referência à famosa frase atribuída a Pilatos, nos contos bíblicos, ao apresentar Jesus à multidão, e também ao livro de Friedrich Nietzsche, no qual o filósofo reflete sobre valores morais e a essência do ser. Resende condensa essas influências em suas esculturas, apresentando o "homem" como uma figura crua, essencial, marcada pela fragilidade e pela violência inerentes à existência. A escolha da argila como material principal reforça essa ideia, uma vez que ela exige técnicas processuais e é transformada a cada etapa de queima.


Marco Tulio Resende, da série “Ex-votos”, 1997


Sua série “Ex-votos”, composta por peças de madeira pintada com tinta acrílica, fica no limiar entre a escultura e a pintura: a fisicalidade dos objetos são tão consideráveis quanto suas discussões pictóricas. Cada uma delas possui dimensões intimistas, cerca de 30 x 35 cm, que remetem ao formato de pequenas oferendas votivas. Com uma estética rústica e textura tátil, Resende traz um caráter devocional, íntimo e religioso para as artes contemporâneas. 


O corpo de trabalho de Marco Túlio Resende nos lembra sobre as diversas construções da identidade — pessoais e coletivas. Em suas mãos, matéria e memória são uma única coisa. Ele nos apresenta o ser humano em sua essência, entendendo que somos feitos das camadas do tempo e da terra que habitamos.